quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O Estrangeiro que vemos ao espelho

  O Estrangeiro, de Albert Camus, narra o destino de um homem perante o absurdo da sua existência. Publicado originalmente em 1942, é reconhecida como uma das obras-primas da Literatura do século XX, sendo o primeiro romance do Prémio Nobel de 1957.

 Sinopse:  Mersault recebe um telegrama que o informa da morte da sua mãe. Vai até à cidade onde a mãe faleceu, mas não chora no seu enterro. No dia seguinte, e sem qualquer compaixão, envolve-se com uma mulher. Mais tarde, acabará por matar um árabe devido ao sol, sendo condenado á morte por isso. Ao longo do julgamento não se entende o motivo pelo qual Meursault está a ser condenado: se pelo homicídio ou por não ter chorado a morte da mãe. 

 Fazendo parte do ciclo do Absurdo de Albert Camus, O Estrangeiro é uma das obras essenciais do absurdismo - corrente filosófica da segunda metade do século XX, muitas vezes relacionada com o Existencialismo. O absurdismo assenta no conflito do homem na procura de um sentido para a vida, que é entendido como uma procura absurda, porque a existir este sentido será sempre humanamente impossível de o alcançar. Assim, Mersault é o homem absurdo por excelência: relaciona-se com a morte de forma fascinante - o que o liberta de todos os dogmas que suprimem a nossa condição; rejeita a padronização de hábitos e das normas sociais impostas, deixando-se levar pelas experiências sensoriais do momento - o Presente engole todas as ações e sentimentos ao momento específico vivido. Entende-se assim, a justificação do homicídio cometido por Meursault, em todo absurda, que não podia ser de outra forma: se a justificação fosse coerente significaria compactuar com as regras sociais vigentes. Ao longo do julgamento - devido aos olhares e às pressões do júri e da atuação do advogado de defesa - perde-se o verdadeiro motivo da condenação: se é por ter assassinado uma pessoa ou por não ter chorado a morte da mãe. Desta forma, ao longo da obra, o comportamento do personagem começa a justificar-se, mergulhando o leitor, inconscientemente, no mundo do Absurdo. 

 Obra fundamental para quem procura conhecer-se. Através de uma aparente simplicidade linguística, Camus faz-nos mergulhar num mundo habitado pelos nossos maiores medos e inquietudes, numa reflexão profunda sobre a nossa existência. Talvez por isso se explique porque, apesar de tudo, não conseguimos detestar a personagem principal d' O Estrangeiro: há um Meursault em todos nós. 

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Longa Viagem de Bento de Góis

Desde dos tempos medievais aos modernos, entre os grandes viajantes europeus que enfrentaram os mais árduos obstáculos, lutando contra o aparente impossível, destaca-se o papel dos missionários que, motivados pelo ímpeto de expansão do cristianismo, deixaram a sua marca na história, devido às suas grandiosas expedições.  Entre estes missionários surge um ilustre jesuíta açoriano, que no inicio século XVII percorreu o caminho da Índia até à China, através da Ásia central. Seu nome: Bento de Góis.
Nascido na Vila Franca do Campo, na ilha de São Miguel, a vida de Bento de Góis continua a ser recheada de dúvidas e mistério. Provavelmente nasceu no ano de 1562, com o nome de Luís Gonçalves, como aponta uma certidão de baptismo da sua vila natal, publicada em 1903 no jornal “A Liberdade”. O motivo da sua partida para a Índia, em 1583, é também envolto de várias teorias: José Torres, em 1854, foi um dos que romanceia uma história onde Bento de Góis teria partido devido a um amor não correspondido que o teria forçado a abandonar a sua terra natal; há, também, quem defenda que, enquanto soldado teria sido destacado para a Índia; havendo ainda quem sugere que o domínio espanhol sobre Portugal, que causou revolta em Vila Franca, onde até foram enforcados inimigos e onde, segundo a Profª Margarida Vaz do Rego, se realizavam “grandes preces na igreja Matriz”, fosse fundamental para o vila-franquense ter abandonado a sua pátria. Certo é que partiu para a Indía como soldado e que aí chegado, aos 26 anos, pediu ingresso na Companhia de Jesus como simples Irmão. A viagem que viria a operar é proporcionada pelo ambiente de dúvida que rodeava o território asiático de Cataio, motivado, em grande parte, pelos relatos fantásticos de vários exploradores, como Frei Giovani di Carpine, no século XIII, e principalmente pelo de Marco Polo, no final do mesmo século, onde Cataio se transformou rapidamente numa das maiores referência míticas europeias dos finais da Idade Média. Os jesuítas de Goa pretendiam, assim, averiguar a existência do território, para, sobretudo, e em caso de confirmação da existência, analisar a sua potencialidade para a expansão da fé cristã, havendo, até, rumores que acreditavam na existência de uma comunidade cristã-nestoriana no reino de Cataio. Desta forma, Bento de Góis foi o homem escolhido para levar a cabo tão espinhosa empresa, que apresentava-se tão árdua quanto decisiva para o futuro das missões jesuítas no Oriente. A escolha justificou-se, como apresentou António de Gouvea, em Àsia Extrema, devido á sua forte religiosidade, junto de uma apurada sensibilidade e um vasto conhecimento das línguas nativas e dos costumes das regiões. Gouvea também refere que os preparativos da viagem incidiram sobre o juntamento de mercadorias que garantissem o devido alimento e na ocultação da verdadeira identidade de Bento de Góis, quer através da mudança do seu aspeto físico, quer na adoção de um pseudónimo que garantisse a sua segurança. Esta transfiguração da identidade visava a camuflagem do viajante de forma a que este se enquadrasse no ambiente dos territórios, de forma a não ser reconhecido como estrangeiro, evitando, assim, os riscos que tal situação comportaria. Bento de Góis, numa carta datada de 30 de Dezembro de 1602, enviada desde de Laoro até Goa para o Vice-Provincial da Companhia de Jesus, refere que despiu a “roupeta que trazia, para vestir os trajes da terra”, informando também que ia “negociando com o título de mercador” e que “para mais dissumulação” andava com “uma barba pelos peitos e o cabelo comprido conforme o costume da terra”. É precisamente a cidade de Laoro, no reino de Magor, que marca o início da viagem de Góis, pela altura da Quaresma do ano de 1602. Além de todo o esforço físico que um itinerário desta dimensão acarreta, durante a viagem o explorador teve de enfrentar muitos outros obstáculos, principalmente devido aos conflitos nos múltiplos reinos por onde passou, da necessidade de ultrapassar grandes cadeias montanhosas, como Pamires e o Caracórum, e extensos desertos, como o Grande Deserto de Góbi, enfrentando, também, na sua maioria, territórios muçulmanos que não aceitavam o aparecimento de cristãos nas suas comunidades.
O térmito da sua odisseia acontece em 1605, já dentro das muralhas da China, na cidade de Só Cheu (ou Chou-Tcheou). Desta forma, e segundo o Professor Luís de Albuquerque, estima-se que Bento de Góis percorreu cerca de quatro mil quilómetros, numa rota que percorreu de Laore a Cabul (actual capital do Afeganistão), até Ircanda (território no Turquestão Oriental), passando por Chalis, Turfan, pelo deserto de Góbi até transpor as Grandes Muralhas da China, três anos depois de ter partido. Por esta altura, Bento de Góis já se teria apercebido, por saber de experiência feito, que o tão desejado reino de Cataio era, afinal, a China onde já se encontrava, numa descoberta que alterou significativamente a conceção do mundo à altura. Foi o fim dos mitos de Cataio e de Preste João do Oriente que durante séculos fustigaram o imaginário europeu, com mitos fantásticos acerca do oriente desconhecido. Foi também graças à exploração de Góis que se descobriu que Khambalaik, de Marco Polo, era, efetivamente, a cidade de Pequim. Acabou por morrer em 1607, na última cidade assinalada na sua viagem, por motivos ainda desconhecidos. Certo é que encontrava-se doente, tendo ainda enviado uma carta a pedir auxílio ao Padre Matteo Ricci (que viria a ser o grande impulsionar da publicação dos registos da sua viagem), provavelmente por ter sido atacado, assaltado ou envenenado - a suspeita de envenenamento por companheiros árabes é sustentada com a destruição do diário onde Góis anotava tudo, numa tentativa de esconder as dívidas para com ele contraídas.
Apesar da dificuldade na exatidão e no rigor histórico, fica, desta forma, apresentada de forma breve, uma das mais fascinantes e importantes viagens da historiografia mundial. Protagonizada por um Açoriano, que enfrentou o desconhecido, contribuindo para a noção do mundo como a que temos hoje.

Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Literatura de Viagens

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Presidente Marcelo

 Sem surpresa, Marcelo Rebelo de Sousa venceu as eleições presidenciais à primeira volta, com 52%, confirmando as sondagens dos últimos meses. Venceu o Marcelo comentador, porque o Marcelo candidato pouco apareceu. Marcelo engendrou na perfeição a sua estratégia eleitoral que consistia em falar o menos possível sobre as suas posições políticas e em afastar-se o mais possível dos líderes dos partidos que o "recomendavam". Em vez de aprofundar questões de interesse nacional, preferiu beijar idosas. Percebe-se: quanto menos posições tomasse, menor era o risco de afetar a sua consensualidade a nível nacional. E foi dessa maneira, engenhosa e quiçá perspicaz, que o Marcelo comentador, depois de uma ténue passagem como candidato, virou Marcelo Presidente.
 Contudo, a posição de Marcelo pode ser determinante para o retorno de uma política ideológica de centro direita moderado e social que desapareceu nos últimos anos, fruto da radicalização direitista comandada por Passos e Portas. Marcelo é do velhinho PSD, reformista e centrista, que até com Cavaco Silva na liderança (imagine-se) foi um dos grandes promotores do Estado Social. Este PSD antigo irrita a direita frenética como se viu em muitos críticas à campanha de Marcelo. Era bom que Marcelo ressuscitasse essa ala do PSD com que Pacheco Pereira sonha todas as noites.
 Em segundo lugar, ficou Sampaio da Nóvoa, com 22.89%,  que enrolado na trapalhada socialista, fez o possível. O PS estava pronto para apoiar o antigo reitor, todavia, com a entrada da militante socialista Maria de Belém e com medo de criar fissuras internas, o Partido Socialista desligou-se das presidenciais. Maria de Belém, a grande derrotada destas presidenciais, com uma campanha frouxa, com momentos bizarros - como quando sugeriu que os chefes de estados internacionais fossem almoçar a lares da terceira idade - e baseada no ataque pessoal, quer a Marcelo, quer a Nóvoa, acabou por desmotivar o centro e a ala esquerda moderada - as suas áreas alvo. A polémica das subvenções vitalícias foi a estocada final na sua campanha, acabando com 4.24%. Uma hecatombe presidencial.
 À sua frente, ficou a surpresa da noite. Marisa Matias ficou em terceiro lugar, num resultado histórico, conseguindo o melhor resultado de sempre de um candidato apoiado pelo Bloco de Esquerda, mostrando o empolgante momento que o Bloco vive no eleitorado.
 Muito à frente de Edgar Silva, naquele que era um dos duelos a acompanhar nessas eleições.  O candidato do PC, que não sabe se a Coreia do Norte é uma ditadura, num discurso baseado meramente na crítica pessoalizada obteve o pior resultado comunista de sempre nas presidenciais. Mais uma vez, o PC perdeu na luta com o Bloco. Categoricamente. Irritação e nervosismo no Comité Central.
No campeonato dos pequeninos, Tino de Rans foi a surpresa da noite com 3.28% dos votos, simbolizando o voto de protesto. Atrás dele ficou Paulo de Morais e ainda Henrique Neto que foi também uma das desilusões da campanha - se no inicio afigurava-se como o potencial outsider capaz de surpreender, acabou, em antepenúltimo lugar, com uns irrisórios 0.8% dos votos.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Notas sobre o ano findado - Internacional

 800 mil. Mais de 800 mil pessoas abandonaram o seu país para fugir à morte. É este número de refugiados que chegaram à Europa em 2015. Uma crise de refugiados que demonstrou a fragilidade do projecto europeu, mostrando uma Europa incapaz de formar uma política comum que dê resposta a este que é o maior fluxo migratório desde da Segunda Guerra Mundial.
 Um dos rostos mais visíveis destes refugiados são os provenientes do conflito sírio. A Síria está em Guerra Civil desde de 2011. Uma guerra que, apesar de civil, passou a ser um conflito internacional (fazendo lembrar os tempos da Guerra Fria com envolvimento de Rússia, EUA e outras nações) e com fortes motivos religiosos. A carga de carnificina brutalizou-se com o surgimento do auto denominado Estado Islâmico (daesh) no conflito, que vincou o choque entre xiitas e siitas e fez explodir número de refugiados. O ano fica marcado pelo daesh que se recheou de armas, angariou militantes pelo mundo, destruiu património e varreu a sangue milhares de pessoas. Penetrou na Europa e explodiu Paris duas vezes - atentados de Janeiro à redacção do Charlie Hebdo e os atentados de Novembro - deixando o mundo horrorizado. A Europa que ignorou durante anos o que se passava no oriente sofre agora as consequências: vive amedrontada pela ameaça terrorista. Daí surgem dois grandes problemas interligados entre si que urgem como derradeiros desafios para 2016: como combater o Estado Islâmico e encontrar resposta para os refugiados que vão eclodindo pela Europa.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Notas sobre o ano findando - Nacional

Foto Expresso
  Fechado 2015, sucede-se os balanços e fazem-se contas. De momentos e figuras.

 2015 fica marcado pela união dos partidos de esquerda para possibilitar um governo socialista. Por isso, António Costa é a grande figura do ano: mostrando uma exímia flexibilidade, fechou acordos com BE, PC e PEV, formou governo e obrigou Cavaco Silva a indigitá-lo, corrija-se "indicá-lo" como primeiro ministro. Fez história no sistema político português, fazendo com que a esquerda, acalmasse o seu ambiente natural de guerrilha, unindo-se em torno do objetivo comum de destronar a direita do poder. Costa teve assim a agilidade e a perspicácia necessária para transformar uma derrota histórica numa vitória inédita. E, ao contrário do que se previa, o PS não se transformou numa esquerda "radical" - como agora é designada- nem o BE e o PC perderam a identidade. Um dos desafios de 2016 é ver como António Costa continuará a fazer este 'esparguata' político - para já, conseguiu com que Passos Coelho voltasse atrás na palavra e votasse a seu favor na Assembleia, e que Paulo Portas anunciasse o seu abandono da liderança do CDS.

 Das eleições de Outubro, saiu também uma das figuras do ano de 2015 da política nacional: André Silva, líder do PAN. Numas eleições onde abundava a variedade, com uma avalanche de vários novos partidos formados por rostos conhecidos do eleitorado - como o Livre de Rui Tavares, o AG!R de Joana Amaral Dias, ou ainda o PDR de Marinho e Pinto - foi o Partido Pessoas-Animais-Natureza que conseguiu eleger um deputado, o seu líder, que alterou a fotografia da Assembleia da Republica que desde de 1999 retratava sempre os mesmos partidos.

 Da Madeira, veio também um dos destaques do ano. Alberto João Jardim despediu-se e Miguel Albuquerque sucedeu-o, vencendo as eleições regionais de Março com maioria absoluta. Desde aí, Albuquerque tem rompido com os traços marcantes do jardinismo que reinava na região desde 1978, mostrando um regime mais aberto e responsável.

Do quadro político açoriano, Vítor Fraga, no panorama regional, e Carlos César, no panorama nacional, são os grandes destaques de 2015. O primeiro, secretário regional dos Transportes, que até tem tido uma gestão muitas vezes pantanosa, foi o grande rosto por detrás pela liberalização do espaço aéreo açoriano, que permitiu a vinda das 'low cost' para São Miguel, fazendo disparar para valores históricos os números do turismo. Apesar das dos sanguinários debates entre partidos que chamam a si a responsabilização pela liberalização aérea, foi ele que, finalmente, permitiu que a galinha pusesse ovos de oiro, galvanizando toda a economia regional. O segundo, antigo presidente do governo regional e atual presidente do PS, tem vindo a subir a pulso no cenário político nacional. É o mais fiel súbdito de António Costa, fundamental na mecânica do funcionamento do governo enquanto líder parlamentar de um governo minoritário, sendo, agora, recompensado, com a eleição para conselheiro de estado.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Finalmente, a esquerda!

Após longas negociações, cedências e acordos, a esquerda finalmente entendeu-se. Momento histórico, portanto, que toda a gente, independentemente de todas as análises políticas que se possa fazer, deve realçar pelo seu significado de expansão democrática.

Deste processo todo, a nossa democracia sai, com certeza, mais madura.

 Ontem, o governo caiu com a esperada moção de rejeição. Lá fora, o povo de esquerda cantava, de lágrimas nos olhos, a Grândola, esperando que a utopia se torne real.

O PS, a ponto de salvar politicamente o seu líder, alinhou o seu programa a medidas do Bloco e o do PC, que conseguiram manter as suas convicções.

É o derradeiro desafio deste governo socialista: provar que, em plena Europa, é possível governar à esquerda. Não será fácil. Terá de conciliar a satisfação dos seus parceiros parlamentares com a dos seus parceiros europeus. Exercício paradoxal este, que leva-nos a temer a precariedade deste novo futuro governo.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Trocas e Baldrocas da Política Nacional



A democracia portuguesa está a viver momentos históricos. Históricos e radicais. Radicais no sentido expresso de um clara viragem à esquerda que destruiu o tradicional centrão político. E sim, esquerda - continuo sem compreender essa nova designação, viral desde da viralidade do Syriza, de esquerda radical ou extrema esquerda que a direita anuncia com tanta veemência.

Anuncia porque está revoltada. Tem motivos para isso, é certo, mas isso não transforma os seus gritos propagandísticos verdades. Denunciam jogadas de bastidores, golpes de estado ou que se trata de um regresso aos tempos do PREC. Nada disso: quer se goste ou não, trata-se, simplesmente, de uma dinâmica permitida pelo nosso regime. No semipresidencialismo o governo submete-se ao parlamento - daí o presidente da Assembleia da República ser considerado a segunda figura da nação- estando no poder parlamentar a possibilidade de rejeitar o governo.
Outra histeria da direita é a ligação dos revolucionários ao poder. Com comunistas e bloquistas, Portugal teria que rasgar os acordos que o ligam à União Europeia e à NATO, e /ou, na mais terrível das hipóteses, Jerónimo de Sousa, aliado a Costa, metamorfosear-se-ia em Estaline e transformava o nosso Portugal num estado Comunista. Provavelmente, até, aliado da Coreia do Norte. Calma. Em pleno 2015 este quadro fantástico não vai acontecer. Pelo menos com o PS a governar. Aliás, esta teoria remete para uma exclusividade do ato de governar, sendo preocupante pelo seu tom anti-democrático: não há partidos de primeira nem de segunda, logo o espaço politico é aberto a todas as forças politicas, quer seja aquelas que têm um quadro do senhor Lenine na sua sede, quer seja os que preferem uma moldura com a lady Thatcher. É neste sentido que o discurso elitista de Cavaco Silva é digno de um fanático partidário e não de um presidente da Republica.

 Ou seja, o que está aqui em causa não é a viragem à esquerda, nem muito menos a legitimidade democrática. O que está em causa é a legitimidade moral da tal frente esquerda em todos os sentidos.
 Em primeiro lugar, o nosso próximo primeiro ministro, por muitas interpretações eleitorais que possam existir, foi o grande derrotado das eleições de 4 de Outubro, chegando, ele próprio, a assumir a total responsabilidade pelo resultado eleitoral. E, apesar de tudo, António Costa nunca mostrou essa possibilidade esquerdista aos seus eleitores. Aliás, foi Jerónimo de Sousa ao demonstrar a sua disponibilidade para negociações, que obrigou o líder socialista a avançar para o acordo de esquerda. Pressão comunista que certamente deliciou o líder socialista que, além de salvar-se politicamente, ainda atinge a sua meta de vida: conquistar São Bento. Perfeito, não?
  Em segundo lugar, a atuação do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista, não só ao longo da campanha, como praticamente ao longo de toda a sua história, de constante ataque ao PS, que, agora, esfuma-se no espaço de dias. Durante a campanha eleitoral, notava-se em muitos casos, como no debate entre Jerónimo e Catarina, que o principal alvo dos dois não era Passos e Portas e a coligação, mas sim António Costa e o PS. O líder comunista classificou uma vez  PS e PSD como "farinha do mesmo saco" e a porta voz bloquista chegou a pedir que o PS anunciasse alguma coisa de esquerda para variar. Certo é que a moral na política é na grande maioria das vezes esquecida pelos números macroeconómicos e afins, mas o Bloco e o PCP vão ter de acabar de proclamar ao povo a sua diferença política, pois são agora mais um dos partidos do novo arco governativo. Porque tão ilegítimo do que a promessa de anti-austeridade de Passos Coelho em 2011 é a mudança de atitude em menos de um mês do Bloco e do PC.

Salve-se disto tudo, o momento histórico da abertura da nossa democracia, com o desmoronamento do tradicional arco da governação e com o fim dos partidos de mero protesto. Mau é que esta mudança histórica seja motivada por um ódio obsessivo e por uma insaciável fome de poder que emanou numa artificial unidade de esquerda que, afinal, acabará por não ter garantir a tão prometida e desejável estabilidade.

Escrito a 2/11/2015